Sobre tempo e os ritos de luto

Com o passar do tempo é natural que datas de nascimento e de falecimento comecem a ser esquecidas pelas pessoas que estão à nossa volta. Obviamente, nos primeiros anos aqueles que são mais próximos acabam se recordando dessas datas e muitas vezes enviam mensagens de apoio. De acordo com cada crença, há ainda alguns ritos religiosos possíveis nos aniversários de morte e que ajudam a criar essa relação de apoio aos enlutados a longo prazo – no caso da nossa religião, todavia, não há nada específico para os pais “órfãos de filhos”.

E não que eu ache que as lembranças devem estar atreladas ao calendário, a dor de quem sofre com a perda é eterna e latente, mas convenções sócio-culturais acabam criando um processo natural de acalanto para essas ocasiões com dia certo para acontecer. Ainda assim, parece que a sociedade impõem limites de prazo para o sofrimento alheio, como se passados alguns anos fosse quase proibitivo tocar no assunto.

O fato é que a cada novo ano vamos aprendendo a lidar com a solidão gerada por esse tipo tão peculiar de luto – afinal, bebês como a Carol não tiveram a chance de deixar um legado de boas histórias, aquelas memórias que permanecem sendo guardadas por amigos, parentes, conhecidos de qualquer ocasião. No final, resta aos pais carregarem, à maneira de cada um, essa dura missão de lidar com esse enorme vazio. Os desafios são enormes e entendo que cada indivíduo lide com suas feridas de maneira particular. Como mãe, eu estabeleci uma rotina que sigo a cada dia 5 de setembro: me recolho e evito ao máximo agendar compromissos – inclusive não gosto de ter reuniões profissionais nessa data, apesar de muitas vezes isso ser inevitável.

Chegamos a 2020 e, em meio ao isolamento social tão necessário para superarmos a pandemia (e ainda mais por ser sábado), me vi talvez pela primeira vez livre para cumprir o meu desejo de retiro pessoal. Ninguém se incomodou com meu silêncio e nem com a minha total inércia. Pude ser amparada pelos meus pensamentos, sem distrações ou tarefas urgentes para me tirarem do meu transe. Eu chorei todas as lágrimas guardadas sem pudores, fiquei sentada no sofá olhando para o infinito e pude mergulhar nesse labirinto de saudade.

Naquele outro sábado, há 11 anos, eu não sabia se conseguiria seguir vivendo, mas tinha algo em mim que repetia que era preciso tentar, dar uma chance para descobrir o que estaria ainda por vir. Não sei ainda o que o destino reserva pela frente, nem as razões que nos trouxeram até aqui – muito menos como conseguimos evitar nossa auto-destruição para seguirmos nossa jornada como casal. Mas existe algo muito importante no entendimento de que pode existir felicidade apesar de toda a dor, e é possível viver ambos em sua integralidade.

Diz o ditado que depois da tempestade, vem o arco-íris. É bom poder olhar para esse tipo efeito mágico e saber que ele não surge ao acaso no horizonte. Termino esse dia marcado por lembranças amargas em paz. Saudades, Carol! Te amo, minha corujinha!

Deixe um comentário