Archive for março \31\-03:00 2010

Falar o quê?

30/03/2010

Há exatamente 1 ano, no sêder de Pessach na casa da minha prima, eu tornava pública a notícia mais importante da minha vida: a gravidez da Paula.
Desta vez, um ano depois, no sêder de Pessach na casa da minha prima, eu não tinha muito o que falar, do mesmo jeito que a lembrança me deixa sem muitas palavras para colocar aqui.

Que esta época em que recordamos nossos antepassados e a história do povo judeu nos traga a mesma força usada na travessia do deserto para enfrentar nossos desafios.

Passagem

29/03/2010

O significado da palavra Pessach é passagem. A Páscoa judaica, assim como a cristã, tem mesmo um sentido de ultrapassar, superar, encontrar a luz. Para nós, judeus, reúne o registro da salvação dos primogenitos judeus da morte, um das sete pragas, a libertação da escravidão no Egito e a lembrança dos anos vividos no deserto antes da chegada à terra prometida. Para os cristãos, é a celebração da vida, é a passagem da morte do espírito para o renascimento da alma.  

Encontrei um texto do Rabino Nilton Bonder entitulado De Passagem. Em um trecho ele faz o seguinte comentário:  

“O verbo passar é um verbo estranho. Há nele algo de impermanente e ao mesmo tempo algo de perpetuidade. Quem passou já não mais está; permanece, no entanto, o registro. Se não lembramos de um momento de alegria ou de sofrimento ele não existiu. Uma máxima da sabedoria Idische diz: ‘O que foi, foi e não retorna’ e quem viver viverá para compreendê-la.”

Vamos então passar e aguardar aos poucos os ensinamentos que virão, enquanto guardamos um pouco da Carol e de outros amores.

Depois da escuridão

28/03/2010

Não é fácil recomeçar. Ficamos algumas horas no escuro, literalmente, graças à Eletropaulo. Neste período, tentei organizar as idéias, mas foi difícil. Precisava escrever aqui, mesmo que fosse simplesmente para afirmar para mim mesma que, apesar da sensação de fraqueza, vou me levantar de qualquer forma. Esse é o meu jeito de aliviar o peito e permitir que o ar entre e circule. O blog existe como registro dos passos que estão sendo dados a partir da pior das experiências e do poder  de recriação que descobrimos brotar a cada dia que vivemos como pais da Carol. 

Saudades de quem foi. Por hoje é isso.

Tocando em frente

27/03/2010

Depois da morte da Carol, imaginei que teria tempo para aparar as arestas da minha vida. E eis que o tempo – sempre ele – me pegou de surpresa. Eu não estava preparada para perder mais uma vez, não tão cedo.

Na minha última conversa com a minha “mãe preta”, quinta-feira, na esperança de vê-la fora do hospital no dia seguinte, disse que ela deveria tentar dormir e descansar para se recuperar. Ela respondeu sorrindo que iria dormir assim que eu saísse e foi o que ela fez. O coração parou e voltou a bater, mas ela não acordou mais.  Ontem, na esperança de ainda poder ser ouvida, falei pertinho da orelha dela que estava ali, ao seu lado. Não tive coragem de pedir para ela voltar. Logo depois, precisei deixar a sala. Poucas horas depois, a nossa história nesse mundo tinha acabado.  

Das lições que a dor me deu, a principal foi entender que não basta amar, é preciso demonstrar esse amor e fazer com que ele seja sentido. E mesmo achando que fiz isso, ainda tenho dúvidas se foi o suficiente. Talvez no final, a maior prova de amor seja desejar ao outro o melhor, mesmo que isso signifique destruir mais um pedaço de um coração machucado.  Hoje eu me sinto orfã mais uma vez, mas agradeço pela oportunidade de ter tido a chance de receber um último sorriso. Ele vai ficar guardado num lugar especial, junto com todas as boas lembranças que acumulei nos anos que passamos juntas.

Agora é juntar os cacos novamente e levantar para a luta.

“…Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia.
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
e no outro vai embora…”

Trecho de Tocando em frente, composição de Almir Sater e Renato Teixeira.

 

O ceú não podia esperar

26/03/2010

Não deu tempo. A babá precisou ir para o ceú no final da tarde cuidar da Carol, como talvez estivesse mesmo escrito desde o começo. Foi tudo tão rápido e tão parecido, repetindo a mesma  história com pequenas e leves adaptações de roteiro. Neste dia 26 eu só queria, mais uma vez, que o mundo parasse de girar para eu descer.

Vou acumular essa nova dor e a saudade. A vida vai seguir seu rumo e um dia nós vamos nos reunir para brincar e sorrir juntas, do jeito que tinha que ser desde o início: Dé – primeira palavra que eu falei e passei a repetir inúmeras vezes querendo chamar a nossa Lourdes -, preta (apelido que ela gostava de usar para se dirigir a mim) e a pretinha.

Babá

26/03/2010

Depois de viver a experiência de ficar ao lado da Carol na UTIN enquanto observava a infecção causada pela Klebsiella esgotar a sua resistência achei que tivesse perdido o medo morte. Descobri que estava enganada. O temor de ver quem amamos partir é sempre maior do que imaginamos, mesmo depois de acumular inúmeras cicatrizes no coração.

Entrei no hospital com a sensação de que não teria forças para suportar as lembranças trazidas pelos bipes das máquinas e o cheiro de álcool. O cenário era bem diferente, é verdade, mas ainda assim precisei respirar fundo, engolir as lágrimas e segurar a mão de quem durante tantos anos cuidou e ainda cuida de mim.

Costumo dizer que a Lourdes é minha babá, afinal, ela me viu nascer e continuou todo tempo ao meu lado. Ela segurou a minha mão quando eu era pequena e chorava. E segurou tantas outra vezes quando eu já era adulta. Desde a descoberta da gravidez sabia que seria ela quem olharia a Carol também.

Pedi nesta quinta-feira que a nossa corujinha fizesse pela Lu o que com certeza a nossa babá faria por nós. Acho que lá de cima ela entendeu o recado.

Página em branco

24/03/2010

A pior parte de lidar com a perda da Carol é ter a plena consciência de que sobreviveremos dia após dia a ela e a todos os efeitos colaterais decorrentes da morte da nossa filha. É algo tão inacreditável que só mesmo quem tenta superar a dor sabe a medida do esforço. E aqui cabe um adendo: não me atrevo a escrever “consegue” ao invés de “tenta”, pois não acredito que exista um fim para essa luta de quem segue em frente, nós é que vamos nos adaptando a essa vida nova e criando métodos próprios de combate , o que em algum momento, mesmo que não notemos, torna a rotina mais simples com o tempo.

Fiquei há pouco observando o espaço em branco que aguardava um novo post. Olhei para ele alguns minutos enquanto elaborava melhor as minhas impressões de hoje. E eis que me deparei com a definição exata para o meu instante atual: por dentro eu sou como um bloco de páginas limpas, mas que aos poucos estão ganhando histórias inéditas. Se por enquanto, ainda vazias, elas são todas iguais, aos poucos, conforme sejam preenchidas, vão ter lá o seu valor reconhecido no futuro.

Dream Again

23/03/2010

Encontrei para hoje uma boa música tema, do tipo que escutei à exaustão enquanto cutucava a barriga para ver se a Carol respondia, como se assim ela pudesse me acompanhar na cantoria e no balanço. Espero ouvir no show, logo mais, ao vivo, em homenagem aos bons momentos.

E se…

22/03/2010

Vira e mexe meus pensamentos terminam com um “e se…”.  Não é proposital ou forçado, simplesmente virou parte da minha rotina diária de reflexões, seja lá qual for o tema que passa pela minha cabeça. E se a Carol estivesse aqui… E se eu tivesse que estar em casa mais cedo para cuidar da minha filha… E se hoje eu pudesse abraçá-la…

Não existem garantias, apenas reticências. A única certeza que tenho é que se não tivessemos perdido a nossa corujinha provavelmente não teríamos criado um blog e nem aprendido a nos doar sem limites ou dúvidas através das palavras que ficam registradas aqui.