Archive for maio \31\-03:00 2010

Alívio

31/05/2010

Nos últimos dias algo estranho vem acontecendo. Aparentemente está tudo bem, tudo em ordem, mas desde ontem à noite estou com um nó no peito que insiste se fazer presente o tempo inteiro. Na prática isto se traduz em falta de paciência no trabalho e de ânimo para fazer algumas atividades que seriam simples, mas que acabo enrolando para terminar. Espero que eu não desconte na Paula alguma coisa que nem eu sei o que é.

Nestes momentos em que bate uma tristeza grande, a falta que a Carol faz fica ainda mais forte. Tento repassar na cabeça minha vida, minhas atitudes e meus compromissos para tentar descobrir algo que possa ser a causa do que tenho, mas ainda não consegui chegar a uma conclusão.

Se a vida não nos tivesse pregado esta peça talvez hoje meu alívio seria voltar para casa e encontrar minha filha sorrindo. Já que não foi assim, pelo menos colocar isto para fora aqui no blog já me ajuda bastante.

Um ajuste de rota

30/05/2010

As minhas lembranças dos dias que vivemos na UTIN ao lado da Carol ficaram mais fortes neste final de semana. É como se eu pudesse nos ver novamente lá, ao lado da nossa filha. Uma avalanche de sensações me faz relembrar cada um de nossos passos, ainda tão claros que sou capaz de ouvir o chorinho irritado dela novamente  e os bipes daquelas máquinas de monitoramento.

Ao mesmo tempo que essa vontade de poder voltar atrás e mudar a nossa realidade me invade, por algum motivo inexplicável estou mais leve, em paz comigo mesma. É como se de um dia para o outro eu tivesse feito as pazes com o passado. Mesmo questionando a ordem da vida e da morte imposta à nossa pequena família, consigo descrever tranqüilamente o período do que podemos chamar de transitório entre a chegada e a partida da nossa corujinha.

Nenhuma experiência é idêntica à outra. Mas olhando para aquele início de setembro, se eu tivesse a chance de fazer um pequeno ajuste na história, não teria me preocupado em me dividir entre receber visitas e ir até a UTIN. Teria ficado ao lado da Carol, sem me importar com outras bobagens de “etiqueta”. Só isso.  Do que eu posso chamar de arrependimentos, confesso que este é o maior deles.

Caros amigos

29/05/2010

Ao perder a Carol aprendi a valorizar mais as pessoas que me cercam, principalmente os amigos. Não que antes eu desprezasse o valor deles, mas, como diz o ditado, é nos momentos de tristeza que descobrimos quem realmente está ao nosso lado. É muito fácil dividir as alegrias, mas poucos são aqueles que permanecem presentes quando as coisas tomam o rumo oposto ao esperado.

Não há como retribuir os abraços e as lágrimas compartilhadas, nem o empurrão para  que conseguíssemos seguir em frente sem a nossa filha. Se puder dar aos nossos irmãos de coração 1% da força que eles dedicaram a nós – e é bem provável que eles não tenham a mínima noção do quão decisivos foram para nos auxiliar a chegar no ponto onde estamos – será maravilhoso. Os outros 99%, sinceramente, espero que eles jamais precisem.

Será que ela me escuta?

28/05/2010

Essa semana andei cutucando a Carol lá em cima.  Não sou sensitiva, não tenho dons para enxergar além das minhas limitações visuais básicas e nem sei se esse papo de que as almas ficam presas a Terra se ficamos clamando por elas é verdade, mas por via  das dúvidas não gosto de incomodar a nossa corujinha. Acho que ela é realmente um anjinho que nos ajuda e muito, não quero exigir nada. O que posso dizer é que nos momentos em que surgem grandes dúvidas sinto ela mais perto de nós.

Supondo que ela realmente esteja me escutando, o meu único pedido de hoje é que dê uma forcinha para que tenhamos paciência para aguardar e sabedoria para entender.

Como uma onda…

27/05/2010

Não tem nada que eu queira escrever neste momento. Simplesmente não tem. Esse é um dos meus maiores medos: descobrir que já esgotei todas as palavras sobre a Carol. Ironicamente foi isso que me fez começar a postar neste blog, na esperança de não deixar o pouco que me restou da presença da nossa corujinha se apagar. Sei que passarei a vida refletindo sobre a perda dela e tudo o que essa dor me causou, de bom e de ruim. Mas só por hoje, não há nada a ser dito.

Pensamento positivo

26/05/2010

Tem dias que dá vontade de levantar da cadeira e sair correndo por aí. Em outros, a única coisa que queremos é ficar parados, em silêncio, só para conseguir ouvir melhor os nossos pensamentos. Uma notícia hoje me pegou de surpresa. Nada de grave, mas por alguns instantes me perguntei se algo poderia dar errado, mas, ao invés de sucumbir ao impulso de correr, desejei ficar imóvel. Rapidamente disse a mim mesma: claro que não, Ele sabe o que faz.

Destino é algo que ainda não descobri como definir. Será que nossos atos mudam o rumo da vida ou não interessa o que façamos, está tudo escrito: bem, mal, felicidade, tristeza, sofrimento? Seriam essas peças de um quebra-cabeça fabricado antes da nossa existência e, portanto, cujo resultado final será sempre o mesmo quando juntarmos as partes? Ou será que a cada dia que passa, movemos nossa estrada particular para um diferente futuro? 

Podia passar horas escrevendo minhas reflexões mais bobas aqui, mas o fato é que antes de perder a Carol talvez eu fosse bem menos otimista do que sou atualmente. Engraçado como os nossos conceitos podem ser torcidos e distorcidos. E pensar que a morte da nossa filha me levou a chegar a este momento acreditando no melhor… Sim, vai dar tudo certo.

De volta ao jogo

25/05/2010

Pela primeira vez desde a morte da Carol encarei uma conversa sobre tudo que nos aconteceu como uma forma de reavaliar os passos que daremos para retomar a construção da nossa família. Por mais que tenha motivos para buscar culpados, não vejo um resultado positivo no fim da linha. Perdemos ela, não há remédio para isso, nem nunca haverá.

Nos restam as lembranças dos sorrisos, dos sonhos e das alegrias que vieram com ela e que nos dão agora forças para olhar para essa estrada do futuro ansiando ter como aliado esse tempo bom que passou.

O  que posso dizer é que mais do que nunca me sinto forte para conviver com a verdade. Sou mãe de uma menina linda que virou anjo. Bola pra frente, ainda temos muitos gols para marcar e com um empurrãozinho lá de cima isso há de acontecer em breve.

Amigos

24/05/2010

Há algum tempo a Paula já escreveu sobre o blog Glow in the Woods, e hoje li um post muito interessante sobre a participação dos amigos na recuperação dos pais após a perda de suas crianças. É mais ou menos uma carta escrita a um amigo de pessoas que perderam crianças.

O texto é muito verdadeiro e vale uma leitura para quem quer entender um pouco do que sentimos após a perda da Carol e ainda continuamos sentindo. Está em inglês, e vou traduzir aqui apenas um trecho:

“They are on a whole new timescale now.  They are now counting the moments since they lost their child, and nothing will ever be even remotely the same again.  They need company in this new landscape, though, and that means you need to help them find their way step by step.  But don’t call them baby-steps, they just might punch you in the face for that one.”

Agora eles estão em uma escala de tempo totalmente nova. Estão contando os momentos desde que perderam sua criança, e nada será minimamente igual outra vez. Eles precisam de compania nesta nova paisagem, e isto significa que você deve ajudá-los a encontrar um caminho passo a passo. Mas não os chame de passos de bebê, eles podem dar um soco na sua cara por causa disso.

Um lugar qualquer

23/05/2010

Voltar a lugares que nos fazem lembrar os sonhos que perdemos com a morte da Carol é sempre doloroso. Meses atrás, eu resistia ao máximo, inventava desculpas ruins para não ser colocada frente a frente com as minhas angústias. Bobagem. Durante 7 meses, estivémos em tantos lugares juntas que dificilmente há um espaço que não me faça recordar o futuro fantasiado que teríamos juntos, nós três. Não demorei muito a perceber que na prática superar a ausência da nossa filha seria um exercício diário de cobate às pequenas e grandes ameaças que se apresentam ao meu equilíbrio psicológico.

Eis que retornei ao local onde comprei a primeira roupinha da Carol. Não foi um acaso, soube que neste final de semana haveria a feira que reúne diversas marcas alternativas de roupas e acessórios para crianças e decidi que iria até lá para comprar alguns presentes que precisava. Para o Isi, porém, parecia um convite para visitar um ambiente inóspito. Eu sabia que para ele seria menos natural passar por lá. As nossas memórias ligadas à Carol foram contruidas de maneiras muito diferentes. Como mãe, não vejo uma rota de fuga possível, estavámos ligadas uma na outra, e, portanto, a minha rotina é estar onde ficam as mais fortes recordações da nossa corujinha. No caso do pai, imagino que a construção das lembranças seja feita através de imagens, sons e sensações mais específicas, afinal, carregar no ventre um bebê é um privilégio feminino.  

Depois de uma certa resistência, o Isi decidiu ceder e chegamos ao nosso destino do dia. Foi bom, sem traumas, como se pudessemos, finalmente, voltar a ser nós mesmos, sem amarras e medos. Afinal, era apenas mais um lugar qualquer por onde nós três, de alguma forma, continuaremos passando juntos.

Pastel

22/05/2010

Pastel é uma massa feita de farinha que, frita e recheada, ganha diferentes sabores.

Para mim o pastel, tão comum nas feiras de rua, tem um sabor único de saudade. Eu poderia dizer que seria este o alimento preferido da Carol, ou então para os mais céticos, o único desejo real de comida que senti durante toda a gravidez. Independente do ponto de vista, o fato é que a tal iguaria popular me traz recordações dos inúmeros Sábados em que acordava sabendo que logo em seguida iria me deliciar comendo pastel de palmito ou de queijo, e talvez ainda um de banana de sobremesa enquanto a nossa filha animada dava seus chutes e socos.

Hoje, depois de muito tempo, fui à feira com o Isi para comer pastel. A primeira imagem que me veio à cabeça ao chegar em frente à barraca foi a de uma Sexta-feira à noite, em que no meio de uma conversa despretensiosa, o Isi perguntou se iríamos (no plural) querer pastel no dia seguinte. Ele estava com a mão na minha barriga, e eis que veio a resposta da nossa corujinha. Um sinal forte e cheio de animação de quem não tinha tempo a perder.